5.13.2011
O que os olhos não veem...

Tem ratos em meu sótão. No teu também tem, mas pega mal para gente de bem assumir que há um lugar em casa onde se proliferam criaturas sujas. Tem gatos em meu sótão também. Acho que eles estão lá por causa dos ratos, só não sei dizer se eles estão lá para comê-los ou para comer com eles. Não detesto ratos nem gatos, mas eles me dão cada susto à noite... Eles roem, cavam, correm, chiam.

Incomodam invisivelmente.

...Os ouvidos escutam
5.10.2011
Je suis Edith Giovanna Gassion


Sou uma filha da puta no sentido mais literal que essa expressão possa ter. Dizem que fui cuspida ao mundo em uma calçada, e isso me fez achar que minha mãe era mesmo uma cadela. No final percebi que de uma cadela só nascem cachorrinhos, e acabei sendo também um deles.

Criada em bordéis, precisei ser curada de uma doença incurável para ter algum tipo de fé. As prostitutas eram minhas amigas, elas que cuidavam de mim e apresentaram-me à minha verdadeira mãe: Santa Teresa de Lisieux.

Um de meus namorados era cafetão. Porém eu era feia, então ele prostituía o que eu tinha de belo: minha voz. Eu o amava.

Doía muito viver. Doía tanto que precisei de morfina para nublar meu corpo e abrir minhas asas. Infelizmente meu corpo não sabia viver à base de morfina e morri. Porém, as poucas alegrias que tive em meus dias valeram muito mais que uma vida inteira medíocre.

Fui cega, fui mãe, fui miserável, fui infeliz. Sou pássaro e voei.

Et je ne regrette rien...



5.01.2011
Eu ainda tenho muito a melhorar.

Vejo pessoas sendo espancadas por quaisquer motivos, sua orientação sexual, peso, religião, o time que torce ou ainda por ser amigo de alguém. E quando vejo essas coisas sinto o desejo de revidar com a mesma moeda, de neutralizar o agressor com violência, porque, já que é a língua que usa, essa deve ser a língua que essa pessoa entende.

Revolta-me que essas pessoas não entendam, porque racionalmente falando é fácil entender o porquê não se deve bater alguém por ele ser e pensar diferente de você.

Ontem meu irmão sintetizou algo que me marcou: "Quando é o emocional que fala, o racional não tem lugar. Porque o emocional sente sem razão, e se ele sente a razão não tem espaço."

E é verdade. Provavelmente é por isso que essas pessoas batem em outros sem existir um motivo aparente, porque a razão foi passear e o emocional dá todas as provas - mesmo que falsas - de que ela está correta, mas eu ainda não consigo me conformar. É bom que eu não me conforme, quem se conforma com o mal contribui para a existência e proliferação dele. Meu amigo Nazareno já dizia "Quem comigo não ajunta, espalha".

Porém existe dentro de mim lado a lado com o inconformismo a dor violenta, aquela que quer revidar, que quer praticar a lei antiga do "olho por olho, dente por dente".

Porque mesmo nunca tendo passado por isso, também dói em mim ver essas pessoas sendo atacadas, é uma dor física retorcida em minhas entranhas. E eu ainda não sei lidar com isso de forma que não surja algum desejo violento.

É isso que percebi que tenho que melhorar no momento. Porque enquanto eu desejar quebrar uma cadeira nas costas de duas adolescentes que espancam um transsexual eu ainda estou no mesmo patamar delas, sou uma semente de guerra, pronta para brotar.

E enquanto eu continuar sendo assim não me sinto na posição de criticar a violência de ninguém, porque quando meu emocional fala, usa a mesma linguagem que elas usaram.

Mas sei que só por ter percebido isso em mim e me esforçar para mudar esse sentimento já estou um passo à frente. Não à frente das outras pessoas, mas à frente do que eu estava ontem.


"Je chante la romance,
Je chante les milords
Qui n'ont pas eu de chance!
Regardez-moi, Milord,
Vous n'm'avez jamais vue...
...Mais... vous pleurez, Milord?
Ça... j'l'aurais jamais cru!...
"
4.24.2011
Engraçado como todos os grandes feriados, aqui dou-me a licença de generalizar e correr o risco de ser injusta, perderam o foco. Mais uma prova de como a sociedade vem perdendo o foco do que realmente tem importância.

Quantas pessoas sabem o que significa Páscoa? Paixão de Cristo, Morte de Jesus? Nada a ver, pequena criança! A Páscoa é muito mais antiga que isso! E qual a importância de compartilhar isso? Acho que nenhuma, porém quis compartilhar. Gosto de compartilhar pérolas da sabedoria inútil.

Esse ano aqui no Brasil, além de Páscoa e Paixão de Cristo, tivemos a comemoração da morte de Tiradentes na mesma época - o que criou um monstro de quatro braços chamado feriado prolongado. Também acho engraçado como a imagem que temos de Tiradentes é aquela dos livros de história, de um quase Cristo sendo sacrificado por uma causa nobre. Aquela imagem que eternizaram dele, o homem cabeludo e barbudo de túnica branca, também não tem nada a ver com a verdade.

Isso mostra o quão somos apegados a mentiras. Tão apegados que passamos a achar que elas são verdades. Temo muito o apego a uma mentira camuflada num fundo de verdade. Mais que uma mentira pura, as meias verdades são como folhas de papel sulfite: cortam perigosamente, mas ninguém as teme.

De repente o conhecimento dessas pequenas curiosidades da vida vai despertar uma grande curiosidade no coração de alguém e esse alguém irá buscar conhecer mais coisas. Comigo aconteceu assim, uma pequena verdade me fez querer conhecer outras maiores.

Quem sabe se as pessoas se preocuparem mais com saber o que significam realmente as coisas elas parem de achar que as coisas significam o que elas acham ou querem.


"You may say I'm a dreamer, but I'm not the only one."
4.19.2011
Eu poderia dizer que você é minha melhor amiga, mas nem sei se esse conceito tão usado se aplica ao nosso caso de amor.

Nos conhecemos da forma mais impessoal possível, pela internet. Essa mesma ferramenta que de tão mal utilizada resulta em relacionamentos fúteis e irreais. E, de todas as pessoas que conheci pela internet, você é a única que sem medo de errar eu posso dizer que é minha amiga.

Sou amiga de muitas pessoas na internet, mas tenho consciência que a maioria delas não é - nem nunca será - minha amiga de verdade. Não acho que seja uma falta de caráter das pessoas que conheço, mas sim uma falta de oportunidade mesmo. De repente eu não dei a elas as mesmas chances de serem minhas amigas como dei a você. De repente elas não se mostraram receptivas como você. De repente foram ambas as coisas. E de repente, não mais que de repente nós nascemos uma dentro da outra.

Eu poderia listar suas qualidades aqui, mas a verdade é que não sei se o que mais gosto em ti são tuas qualidades ou teus defeitos. Sei que o que me faz te amar são teus defeitos. Conhecer os teus defeitos me faz te amar muito! Porque só conhecemos os defeitos de quem está dentro da gente, e se esses defeitos não nos incomodam só pode ser amor.

Eu poderia vir aqui e dizer que amo você porque você é atenciosa, porque você é carinhosa, porque você é meiga de um jeito peculiar que poucos conseguem ver, porque eu me sinto à vontade para falar com você de coisas que nunca falei com outras pessoas, mas a verdade é que, mesmo você sendo assim, não é por isso que eu te amo.

Eu te amo porque você é venenosa, porque você causa o mal estar nas outras pessoas sem nem um pingo de remorso, porque você é procrastinadora e preguiçosa. Eu te amo porque você se mostrou para mim, e eu vi uma pessoa autêntica e completa; porque podemos ser sinceras uma com a outra, termos opiniões contrárias, e mesmo assim continuarmos nos amando.

Lud, eu te amo porque também conhecendo meus defeitos você me respeita e aceita.

Você sabe que mi casa es su casa y mi corazón, su corazón.



Tua,


Beca


"Isn't that a wonderful coincidence? It shows that we were meant for each other. Two hearts, beating as one..."
Neil Gaiman 
4.18.2011
Nasci homem há quarenta anos atrás.

Quando completei treze anos nasci novamente, dessa vez como mulher, e ainda assim demorei mais dezoito anos para me conhecer. Quando me vi como mulher pela primeira vez eu já tinha trinta e um anos, quase trinta e dois. Foi algo tão inusitado e especial que me apaixonei por mim.

Como mulher eu era tudo que eu sempre quis ser, mas naturalmente, não dessa forma mal encarada e reservada que eu sempre me obriguei a ser como homem. O susto de me ver assim, tão natural e ao mesmo tempo tão eu, foi tamanho que no dia seguinte procurei outra mulher com quem sair para distrair-me de mim mesmo. Beijei e abracei essa mulher, e despedi-me satisfeito.

No dia seguinte essa outra mulher colocou a culpa das atitudes que tomara no dia anterior no vinho que tinha bebido. Sei que se eu fosse ela, não ela a garota com quem eu saí, mas ela meu eu mulher que eu tinha conhecido no dia anterior, diria com toda a naturalidade do mundo "in vino veritas, amore", e com certeza não ofenderia, Porém, meu eu homem não sabe ser naturalmente sincero sem ser brusco. E minhas palavras deixaram essa outra com raiva, ela disse que aproveitei-me dela.

Foi bom, porque foi um adeus.

Então ela, meu eu mulher, procurou-me. Algumas mulheres já haviam me procurado antes, mas nunca fora tão espontâneo quanto ela.

Acho que era isso que fazia falta em minha vida, a espontaneidade dela. Resolvemos nos encontrar novamente, não a chamei para sair, concluímos juntos que iríamos nos encontrar novamente e nos encontramos. Assim, com a simplicidade que velhos amigos usufruem depois de anos de convivência.

Ela me disse que era manipuladora e fiquei encantado. Como um homem de trinta e um anos se encanta com uma mulher que assume ser manipuladora? Até hoje não sei. Talvez foi a sinceridade. Talvez foi o sorriso. Talvez foi sentir, mesmo sem saber conscientemente que, como eu estava lidando comigo mesmo, não havia o que temer.
 
Nesse dia ela me beijou. E eu nunca mais precisei beijar outra boca além da minha.
 

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